A Escala das Grandes Arquiteturas

A verdadeira escala da arquitetura não está em seu tamanho em m², em seu gabarito ou no que foi gasto na sua construção, pois é muito mais que o edifício e as cifras econômicas: a grandeza de uma arquitetura está no número de vidas que ela consegue transformar e valorizar.
Um arquiteto nascido na isolada comunidade de Gando e formado na Alemanha, Diébédo Francis Kéré, retornou às suas origens para fazer, de fato, arquitetura. Ele entende o arquiteto como um vetor, aquele capaz de transmitir o conhecimento técnico e teórico para as pessoas – sobretudo as mais humildes – da maneira mais clara e coesa possível, de forma a fazer do projeto um curso em que todos participam.
Quando indagado sobre a “modernidade”, dado o seu trabalho em dois continentes com grandes diferenças (Europa e África), Keré respondeu da forma que seu povo responderia: “O que é modernidade?”. Indo mais além e explicando o porquê dessa resposta, o arquiteto exemplifica: “Se você constrói uma parede que dura muitos anos, eles entendem como algo moderno. Se você constrói um edifício que consegue manter uma temperatura interna com o mínimo de conforto, isso é o máximo do luxo”.
As obras que Diébedó projeta com seu povo são, quase que totalmente, construídas em Adobe. Este é feito com o solo da região e facilmente manuseado pelas pessoas dali, já que é uma técnica há muito tempo usada naquele corpo social. Isso faz com que as propostas tenham uma identidade local e propicia, também, a participação comunitária em todo o processo.

 

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Fonte: Domusweb. Biblioteca em adobe.

As pessoas amam os projetos. Elas usam, cuidam e vivem a arquitetura. Além disso, elas podem usar, agora, suas habilidades profissionais e ganhar dinheiro.

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Fonte: Arquitectura Viva. Aberturas feitas a partir de panelas de barro produzidas em Gando.

Uma arquitetura que nasce da terra, moldada com o povo e para o povo.

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Fonte: Architectural Review

 

 

Uma outra iniciativa interessantíssima é o projeto “Housing for Health”, da organização Healthabitat, o qual direciona seus esforços para a melhoria da qualidade de vida de comunidades, intervindo e projetando soluções para a melhoria das condições de saúde das pessoas, sobretudo as crianças e idosos, de forma a reduzir doenças, ferimentos e demais riscos à vida.

 

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Fonte: Health Habitat. Nepal: The villages of Bhattedande, Dandagaun & Arubot.

 

O projeto se incia com visitas às comunidades e identificação dos problemas a serem resolvidos. Muitos desses são extremamente simples, pois necessitam apenas de pequena manutenção.
O primeiro tópico é a segurança: Equipamentos elétricos, de gás, fogo, esgoto e elemento estruturais são tratos prioritariamente, dado o risco.
Após abordar as questões de segurança, a prioridade passa para as 9 Práticas de Vida Saudável, em ordem crescente de importância.

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1- Lavar as pessoas: garantir que o chuveiro possua água quente e água fria e funcione corretamente. Garantir o correto funcionamento das pias e tanques, para que as pessoas tomem banho, lavem o rosto e as mãos.
2- Lavar roupas e lençóis: garantir o correto funcionamento da lavanderia, com a correta canalização para água e despejo de resíduos, bem como a separação das torneiras.
3- Remoção segura de resíduos: garantir que os banheiros estejam funcionando e que as saídas de drenagem não estejam obstruídas.

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4- Melhorar a Nutrição: análise da capacidade de preparar e armazenar alimentos, bem como o correto funcionamento do fogão e melhorar as funções da cozinhas, evitando, por exemplo, problemas com fumaça.
5- Redução da Superlotação: Equipamentos (sobretudos os sistemas de água quente e sépticos) devem ser capazes de lidar com o número de pessoas que vivem na casa, em todos os momentos.
6- Redução do impacto dos animais, insetos ou vermes: garantir o isolamento adequado de insetos, por exemplo. Essa questão está diretamente ligada à saúde das pessoas.

 

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7- Redução da poeira: Assim, se reduz o risco de doenças respiratórias e outras doenças onde o agente etiológico encontra a poeira como vetor.
8- Controlando a temperatura: Atenção para o isolamento, a fim de reduzir riscos à saúde, sobretudo crianças pequenas, idosos e enfermos.
9- Reduzindo Trauma: ações que reduzam o risco de lesões menores.

 

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Fonte: World Habitat Awards. Os aborígenes australianos são a maioria dos colaboradores do projeto no país.

 

Housing for Health é um iniciativa que trabalha a pequena escala projetual e a grande escala humana. Aprendemos na escola de arquitetura a fazer esses pequenos reparos, mas estamos preocupados em projetar grandes empreendimentos.

Na Austrália, muitas pessoas deixaram de ficar doentes, pois passaram a tomar banho e lavar o rosto. Os acidentes domésticos diminuíram e muitas outras melhorias aconteceram.

Na Índia, as grandes ações, que incluíam instalações sanitárias básicas nas escolas e montículos de terra contra a poeira, permitiram que centenas de jovens e adultos não ficassem cegos, já que esmagadora maioria das crianças possuía o Tracoma Vírus ativo em seus olhos.

No Nepal, a equipe foi chamada para construir banheiros em um vilarejo que não havia nenhum. As mulheres cozinhavam com madeira verde – o único combustível acessível – e a quantidade de fumaça emitida era a principal causadora de mortes, pois resultava em insuficiência pulmonar. A solução foi simples: a coleta, nos banheiros projetados, dos excrementos humanos e animais seriam transformados em biogás e com esse (metano) não seria necessária a madeira – sem fumaça. As mortes diminuem. O resto dos excrementos são utilizados em hortas e isso triplica a renda familiar.

São soluções engenhosas e que mudam vidas.

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Fonte: Health Habitat

 

Outra iniciativa extremamente interessantes é a Architecture for Humanity, uma associação sem fins lucrativos que visa conectar profissionais dispostos a emprestar tempo e conhecimento para ajudar aqueles que não seriam capazes de pagar os seus serviços, trazendo concepção, construção e desenvolvimento de atividades em lugares onde a necessidade é critica.

 

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Fonte: Archdaily. Collège Mixte Le Bon Berger – Haiti.

O grande objetivo da organização é trabalhar com comunidades em situação de crise, como aquelas afetadas por desastres naturais. A foto acima mostra um dos cerca de 50 projetos realizados no Haiti, incluindo clínicas médicas e habitações, com o intuito de trazer melhorias na vida dos afetados pelo terremoto de 2010.
A missão de levar arquitetura para humanidade atraiu milhares de colaboradores, como arquitetos, engenheiros, designers e inventores, todos em busca de criar condições melhores para os mais necessitados.

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Fonte: Archdaily. École Ceverine.

A capacidade de atendimento dos projetos é incrível. No Haiti, por exemplo, os projetos afetam a vida de mais de um milhão de pessoas. Só as escolas comportam cerca de 18 mil alunos.
A diferença que cada projeto causa na na vida dessas pessoas é imensurável. São escalas que variam da falta total de acesso à educação, saúde e lazer a uma possibilidade de realização de um sonho, de cura de uma doença, de salvação de uma vida aparentemente perdida.

 

 

O que esses projetos têm em comum? Talvez mais coisas do que podemos perceber lendo ou assistindo a um vídeo. São iniciativas que nos abrem os olhos e emocionam. Fazer a diferença em toda a vida de alguém consertando uma pia ou um chuveiro pode parecer pouco, porém é um ato grandiosíssimo.

Nós podemos melhorar, transformar e até salvar vidas.

Arquitetar é transformar e precisamos decidir e lutar pela transformação que queremos!

“A pobreza não é um acidente. Assim como a escravização e o Apartheid, a pobreza foi criada pelo homem e pode ser superada e erradicada pelas ações dos seres humanos.” (Nelson Mandela)

 

Fonte: Obvious Mag